A NEUROCIÊNCIA DO VÍCIO
"Nenhum homem é livre se não puder se controlar" - Pitágoras
Para a psicanálise, como apresentado na postagem anterior, o vício é um meio de refúgio que o indivíduo se utiliza para tentar escapar das pressões da vida, oriundas de momentos de estresse, ansiedade, angústia ou crise existencial.
Quando os conflitos internos que constituem o sofrimento psicológico não são entendidos e resolvidos, a psique humana se envolverá num estado de desequilíbrio, cuja solução temporária para a dor profunda, se abrigará nas adições, a fim de que possa ser sanado o vazio interior, compreendido pela falta de sentido ou desconexão emocional e aspectos da personalidade não reconhecidos e/ou aceitos.
Entretanto, "a fuga é o instrumento mais eficaz para se cair prisioneiro daquilo que se deseja evitar" Sigmund Freud (1856-1939). Visto que, o efeito ilusório de satisfação é passageiro, e logo, o viciado estará novamente in statu quo ante, por vezes, pior do que anteriormente à compulsão.
"Quando uma pessoa não consegue encontrar um sentido profundo do seu significado, se distrai com o prazer" - Viktor Frankl
Sendo assim, a terapia psicanalítica visa explorar as motivações inconscientes que levam ao vício, auxiliando o indivíduo no encontro de maneiras mais eficientes e saudáveis para lidar com seus problemas emocionais.
Em contrapartida, a neurociência do vício estuda como o cérebro é fisicamente afetado pelo uso excessivo de substâncias químicas e comportamentos aditivos.
A conduta viciosa é capaz de modificar o cérebro em áreas extremamente importantes relacionadas ao prazer, recompensa e tomada de decisões.
A junção da psicanálise e neurociência fornece uma melhor compreensão acerca do fenômeno das adições, possibilitando o desenvolvimento de métodos mais eficazes para a prevenção e tratamento.
No entanto, outras abordagens específicas também podem ser utilizadas para o tratamento das adições, a depender do caso em concreto, como suporte social, medicamentoso, internamento médico e terapia psicológica.
TODO VÍCIO JÁ ESTEVE SOB CONTROLE
"Vencer a si próprio é a maior das vitórias" - Platão
A adição, como resultado de uma interação desordenada entre o sujeito e determinado objeto ou atividade, um dia já foi uma relação controlada, até que de forma sutil e progressiva, a liberdade foi sendo perdida pelo hábito prejudicial que estava sendo gerado, devido a necessidade por uma mudança do estado subjetivo ou senso de existência por parte do indivíduo.
Algumas pessoas são mais suscetíveis aos vícios do que outras. Do mesmo modo, alguns objetos ou atos, devido as suas características farmacológicas ou estruturais possuem um potencial mais atrativo, capazes de desencadearem ou acelerarem a impulsividade doentia.
Estamos constantemente cercados por materiais e atividades que possuem um condão aditivo. A dependência a eles, estará sujeita a capacidade de promoverem o tipo de mudança interna convincente.
Contudo, segundo Gabor Maté, (1944 -) médico e autor húngaro-canadense, os vícios sempre se originam a partir das mais variadas espécies de sofrimento, quer seja consciente ou inconsciente.
CIRCUITO MESOCORTICOLÍMBICO: O MECANISMO DE ATUAÇÃO DO VÍCIO NO CÉREBRO
"O prazer imediato é a ruína da verdadeira felicidade" - Aldous Huxley
Partindo do pressuposto de que o nosso cérebro busca o prazer e evita a dor, no circuito mesocorticolímbico ou comumente chamado de sistema de recompensa, temos a produção da dopamina; principal mensageiro químico responsável pela motivação. Ademais, também influencia na motricidade, memória, atenção, aprendizagem, tomada de decisões e bem-estar emocional.
Embora conhecida erroneamente como "hormônio do prazer", a dopamina está mais intimamente relacionada ao estímulo reforçador de comportamentos do que propriamente a satisfação. Estando o gozo precisamente mais atrelado a outros componentes químicos.
Assim sendo, esse sistema neuronal é crucial para a sobrevivência, visto que motiva o indivíduo a buscar atividades essenciais para a sua própria manutenção como alimentação e reprodução.
A molécula dopaminérgica é liberada principalmente nas regiões primordiais do sistema de recompensa, como área tegmental ventral - ATV e núcleo accumbens, como resposta à estímulos agradáveis e incentivo à repetição da ação.
Em suma, a dopamina auxilia o cérebro na associação de recompensas à atividades agradáveis, motivando a busca e realização delas, com o fortalecimento das memórias atinentes a essas experiências.
Entretanto, havendo distúrbios na liberação desse neurotransmissor, poderá ocorrer diversas condições psiquiátricas, doença de Parkison, insônia, dificuldades na concentração, repercussão no processamento da dor, problemas digestivos e etc.
Havendo a hiperestimulação do circuito do prazer, através da satisfação constante e imediata, dado o pouco esforço empenhado para o resultado, cria-se uma sensação de euforia. Altos níveis dopaminérgicos são produzidos. Mas, como há uma necessidade de restabelecimento do equilíbrio interno pelo organismo, ocorre a homeostase; que é a "queda livre" dos níveis de dopamina, que por vezes, ultrapassam a linha basal, causando portanto, a abstinência, traduzida como irritabilidade, estresse, ansiedade, depressão, fissura por drogas. Em vista disso, o ato já não é realizado mais pelo prazer, todavia, para evitar o desprazer da sua ausência.
Por conta dessa repetição desenfreada, o cérebro "entenderá" que o uso da substância psicoativa ou conduta que eleva os níveis do neurotransmissor é essencial para a existência do indivíduo, originando-se assim, os vícios e as compulsões.
No entanto, o padrão de dependência formado, fará com que o cérebro se acostume com aquele incentivo, de modo que, não mais produzirá o mesmo efeito eufórico inicial, resultando na tolerância, na qual acarretará na busca por doses maiores e mais frequentes de dopamina, a fim de que se obtenha as mesmas sensações anteriores de recompensa, ou seja, ao longo do tempo, se tornará mais suscetível à impulsividade e menos satisfeito com os resultados alcançados.
"O desejo existe onde há falta. Uma vez saciado, ele muda de objeto" - Jacques Lacan
Em segundo plano, apesar da recompensa a curto prazo ser comum e por vezes, de difícil controle, a recompensa tardia é mais gratificante e sadia, haja vista que a dopamina aumenta à medida que o resultado esperado se aproxima, tornando a gratificação muito mais prazerosa e duradoura.
Logo, visando anestesiar algo que dói, as adições têm um tratamento complexo e abrangente, pois além de aparentarem uma solução rápida, reduzem o contentamento natural por outras atividades, se enraizam por intermédio de hábitos, bem como, criam gatilhos emocionais, vinculando-as à emoções, lugares e situações específicos, permitindo seu retorno, em caso de afastamento por um período, se algum estímulo for ativado.
Tal fato explica a negligência do viciado por sua vida pessoal, social, profissional e familiar em virtude do vício, embora tendo ciência da natureza prejudicial dele.
"Todo o excesso destrói a alma" - Aristóteles
Diante do exposto, à parte das drogas ou ações potencialmente danosas, qualquer conduta considerada normalmente saudável ou socialmente aceita pode ser praticada com frequência, a não ser que seja realizada como forma de escape do desconforto ou confusão emocional, circunstância em que, já aconteceu a perda de domínio sobre ela.
Por L.Rachel
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