A PSICANÁLISE DO VÍCIO
"Qualquer coisa que o enfraqueça fisicamente, intelectualmente ou espiritualmente, rejeite-o como veneno" - Swami Vivekananda
Como uma forma de fuga em meio aos caos interno, causador do sentimento persistente de desconforto e vazio interior, certos comportamentos sutis com aparência inevitável, podem transformar-se em hábitos corrosivos. Então, o que aparentemente se assemelhava à solução temporária, se converterá em um ciclo vicioso.
Por conseguinte, apesar da busca por um alívio fugaz, trazer uma breve sensação de paz, decerto, gradativamente, a rotina se tornará destrutiva.
Desta feita, Friedrich Nietzsche (1844-1900), filósofo prussiano, assevera: " O vício é o preço que pagamos por tentarmos escapar de nós mesmos."
O vitium (latim) significa defeito ou falha. Para a psiquiatria e psicologia, o vício é uma doença que afeta diretamente o sistema nervoso do indivíduo, resultando numa dependência química ou emocional, caracterizado por desejo compulsivo e imediato por uma substância, atividade ou comportamento.
Nessa toada, Gabor Maté, (1944 - ), médico e autor húngaro - canadense, em O Reino dos Fantasmas Famintos, diz: "As falsas necessidades, não importa quantas vezes sejam satisfeitas, não podem nos deixar realmente satisfeitos. O cérebro nunca pode, por assim dizer, sentir que teve o suficiente, que pode relaxar e seguir com outros assuntos essenciais. É como se, depois de uma refeição completa, você ainda ficasse com fome e tivesse que imediatamente se esforçar para conseguir mais comida".
Na visão psicanalítica, tem-se o vício ou ADIÇÃO como corolário de desejos reprimidos e conflitos internos, escondidos no inconsciente, o qual possui o condão suficiente de influenciar nossas escolhas e comportamentos. Porquanto, a psicanálise analisa e traz à tona, as motivações ocultas que levam o indivíduo a tais procedimentos aditivos, lhe auxiliando na compreensão de suas emoções e evasão dos prazeres imediatos viciantes.
Embora a dependência em substâncias psicoativas tenham resultados visíveis e sejam mais prejudiciais, porque afetam diretamente a fisiologia do organismo, os vícios procedimentais também alteram a estrutura física e funcional do cérebro, segundo a neurociência. Além de desestruturar as relações sociais dos envolvidos.
Os vícios induzem ao cérebro associar tais manias à conquista do prazer, liberando neurotransmissores que permitem uma sensação de bem-estar. Entretanto, ao longo do tempo, o organismo se torna tolerante àquelas adições, exigindo o aumento do consumo das substâncias ou prática descontrolada da atividade, para que então, obtenha a mesma sensação de satisfação inicialmente experimentada.
Há inúmeras compulsões potencialmente perigosas à saúde física e emocional, as mais comuns atinentes ao comportamentos são:
- PORNOGRAFIA: implica na objetificação do outro e redução da libido pelo companheiro, destruindo os relacionamentos amorosos.
- REDES SOCIAIS: em excesso, pela busca de alento, reconhecimento e valorização do ego, através de outros indivíduos, pode levar à contendas midiáticas, depressão, ansiedade ou até suicídio.
- JOGOS ELETRÔNICOS e de AZAR, COMPRAS e INGESTÃO de ALIMENTOS COMPULSIVAMENTE: sucedem respectivamente em problemas financeiros e familiares, doenças físicas e obesidade.
- MANIPULAÇÕES e MENTIRAS CONSTANTES: em detrimento do sofrimento e prejuízo alheios, gera a falta de confianca em si mesmo e nos outros, enfraquecendo a estrutura das relações interpessoais.
A ORIGEM DO VITIUM
"O homem moderno sofre de um vazio interior que o leva a buscar uma recompensa fora de si, mas esta busca externa nunca poderá curar a inquietação interna" - Carl Jung
Os parâmetros de vida hodiernos, impostos pela sociedade, têm contribuído bastante para o surgimento dos mais diversos tipos de vícios, acometendo pessoas de qualquer idade, independente de sua origem, classe social ou orientação sexual.
Um erro substancial é pensar que as adições se referem apenas a uma fraqueza moral ou irresponsabilidade. A cultura social estigmatiza certos grupos de indivíduos viciados, no entanto, ignora que todos nós podemos ter determinados modos aditivos em nossas vidas.
Os vícios são questões complexas e desafiadoras. Ademais, referem-se à decisões conscientes e maléficas, pois envolvem alterações neuroquímicas cerebrais, que também repercutem no mundo exterior do indivíduo, dificultando-lhe na capacidade de fazer escolhas saudáveis.
Desde a atos repetitivos aparentemente inofensivos ao abuso de substâncias tóxicas, as raízes existenciais das adições são extremamente submersas. Muito além do que a maioria pensa.
Na verdade, as adições refletem uma ferida emocional escondida no inconsciente, onde a procura pelo alívio imediato, proporcionado pelo gozo momentâneo, corresponde a:
1. Tentativa de preencher um vazio interno quase impossível de ser preenchido;
2. Pretensão pela compreensão oculta do próprio significado;
3. Cura de uma dor invisível que escapa do consciente.
Logo, os vícios não são apenas respostas à fatores externos, mas reações de conflitos internos não resolvidos. São sintomas de um mal estar incompreensível. Trata-se de uma tentativa de alívio de dores emocionais profundas, como uma ferramenta de defesa contra o sofrimento emocional.
Gabor Maté explica que qualquer paixão pode se transformar em adição, desde que haja o descontrole. Para isso, o foco será desvencilhado do comando da própria vida, e se firmará no objeto, substância ou ato.
Sendo assim, é possível dominar uma paixão. Todavia, a paixão obsessiva sem controle é um vício.
Mesmo tendo consciência da própria condição desvantajosa, e não havendo disposição para encerrar a ação, dado o efeito danoso produzido em si e nos outros, pode se dizer que o indivíduo é um viciado.
Carl Jung (1875-1961), médico psiquiatra e psicoterapeuta suíço, disse que "todos os vícios buscam satisfazer uma necessidade interior, um vazio espiritual. A solução não está em satisfazer esse desejo, mas em compreendê-lo."
Esse mecanismo quase que incontrolável de fuga da realidade, se deve às circunstâncias multifatoriais:
1. GENÉTICAS: histórico familiar com adições, contribui para a suscetibilidade do vício, através da herança genética.
2. PSICOLÓGICAS: exposição à situações emocionalmente desfavoráveis, podem afetar a saúde mental, causando traumas, estresse, ansiedade, depressão e etc, podendo por conseguinte, desenvolverem as adições.
3. AMBIENTAIS: lugares e situações vulneráveis que demonstrem ser fatores de riscos, como pressões sociais, influência dos pares, observação e imitações, aumentam a probabilidade dos vícios.
Destarte, cada um se vicia por razões e caminhos completamente particulares, atinentes à própria subjetividade.
O ARQUÉTIPO DA SOMBRA: O LADO SOMBRIO DA PERSONALIDADE
Não obstante Sigmund Freud (1856-1939), fundador da psicanálise, tenha firmado o entendimento de que é impossível enfrentar a realidade, sem nenhum mecanismo de fuga, o término da situação conflituosa, não se chegará com a evasão ou repressão das emoções negativas que pairam dentro si, mas enfrentando a própria sombra.
A "sombra" é o lado obscuro da mente, onde são guardados nossos instintos primitivos, como desejos e impulsos, medo, raiva e etc, sendo oposta à parte do ego consciente. Portanto, por constituir também aspectos da psique que são socialmente reprováveis ou que não se enquadram conforme a imagem que carregamos de si, tendenciamos reprimí-la ou negá-la.
Evadir-se, ignorar ou impedir a manifestação da sombra, pode promover uma série de desfechos indesejáveis.
Daryl Sharp (1936-2019), analista junguiano, assim comenta sobre isso:
"Na sombra há aspectos ocultos ou inconscientes de si mesmo, bons e maus, que o ego reprimiu ou nunca reconheceu”.
Devido a sombra influenciar nossos pensamentos, sentimentos e atitudes, podendo moldar e conduzir uma vida inteira, é necessário ter consciência de sua existência, enfrentá-la e compreendê-la, através da exploração das partes de nós mesmos, que preferimos não enxergar, aceitando-as como fragmentos integrantes de quem somos, para que então, ciclos repetitivos destrutivos sejam encerrados.
A atenção necessária para a dissolução problemática deve estar fixada na origem sistêmica das adições, infiltrada no inconsciente e não somente no combate das consequências delas.
Melanie Klein (1882-1960), psicanalista austríaca diz que a "saúde mental não é compatível com a superficialidade, isso porque a superficialidade se liga a negação do conflito interno e das dificuldades externas."
Esse processo de autoavaliação e reflexão, por vezes, se torna doloroso, no entanto, será a chave para a libertação.
Nesse tocante, o santo Agostinho (354 dc - 430 dc) cita: "Não saias de ti mesmo, retorna a ti. No interior do homem, habita a verdade."
Em suma, consoante explanado, o caminho para uma transformação positiva na vida, está em entender as complexidades da mente, por intermédio da expansão da psique pelo autoconhecimento e individuação, ou seja, no despojo de todas as "máscaras", com a consequente descoberta do verdadeiro "eu".
A ponderação adequada ajudará na identificação dos padrões de pensamentos e emoções que sustentam as condutas aditivas. A abordagem psicanalítica terapêutica auxilia na exploração dessas motivações ocultas a fim de que sejam encontradas maneiras mais eficientes de tratamento.
Diante do exposto, Carl Jung em Memórias, sonhos, reflexões conclui: "O vazio interior é a condição necessária para o desenvolvimento do ser humano."
Por L.Rachel
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